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Le Monde Diplomatique
Edição brasileira
ano 7 número 73



DOSSIÊ AMÉRICA REBELDE / COMÉRCIO
Alternativas latino-americanas

Em meio às dificuldades da ALCA, projeto estratégico de Washington, avançam o Mercosul expandido e a ALBA - possíveis embriões de um comércio internacional de novo tipo

Emir Sader*


Configurou-se um enfrentamento entre a integração latino-americano e a ALCA, na verdade ferramenta para consolidação da hegemonia norte-americana

Entre as regiões do mundo vítimas das políticas neoliberais, a América Latina ocupa um lugar de destaque. Nenhum dos projetos de integração regional escapou de seus efeitos destrutivos. As medidas de liberalização comercial e financeira aceleraram o controle do mercado interno de cada país pelas multinacionais norte-americanas e européias. Estas medidas também acentuaram a dependência das economias regionais em relação aos mercados externos.

No entanto, ao mesmo tempo em que os países da Europa e da América do Norte perseguiam seu processo de integração, projetos similares se desenvolviam, particularmente na América do Sul. Eles procuravam proteger, ainda que de maneira mínima, as economias da região das conseqüências negativas da globalização. Nas décadas de 1980 e 90, sugiram dois projetos antagônicos: o Mercosul, integrado inicialmente pelo Brasil, a Argentina, o Uruguai e o Paraguai; e o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que reuniu EUA, Canadá e México.

Washington tinha a ambição de estender o Nafta ao resto do continente. Quase no momento em que o bloco foi formalizado, e em que o Chile foi apresentado como o primeiro candidato a se integrar a ele, a crise mexicana de 1994 levou o Congresso dos EUA a não oferecer à Casa Branca o chamado "fast track" ("via rápida). Ela dá ao Executivo o direito de negociar acordos comerciais com outras nações, limitando os poderes do Legistivo a aceitar ou rejeitar, em bloco, eventuais tratados.

 


Com o ingresso da Venezuela e Bolívia no Mercosul, começa a se dissipar a dualidade entre este bloco e a Comunidade Sul-americana de Nações

Nascimento e declínio da ALCA

O governo norte-americano teve, então que apelar para um projeto que havia ficado na gaveta: a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Configurou-se assim um campo de enfrentamento entre um projeto de integração latino-americano e outro do conjunto do continente, em que a diferença - substancial - era a participação dos EUA nesta última. Representando 70% do PIB do total dos países, eles transformavam a ALCA em ferramenta de consolidação de sua hegemonia, jamais em processo de integração.

Eram tempos de extensão quase que ilimitada dos modelos neoliberais, dos quais a ALCA seria o complemento funcional. Essa tendência foi fortalecida com a crise brasileira de 1999, em que a brusca e grande desvalorização da moeda brasileira afetou diretamente a balança comercial com a Argentina, golpeando diretamente os graus de integração logrados no Mercosul.

No entanto, paralelamente foi se intensificando uma tendência nova: a vitória e evolução ideológica de Hugo Chavez na Venezuela, a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, de Nestor Kirchner, em Buenos Aires, e, mais tarde, de Tabaré Vázquez, em Montevidéu.

A Venezuela, especialmente depois da vitória de Chávez sobre a oposição, no referendo revogatório de 15 de agosto de 2004, conquistou um espaço importante e se aproveitou para oxigenar o processo de integração. Este se deu, por um lado, através da constituição de uma espécie de coordenação da integração, entre os presidentes do Brasil, da Argentina e da Venezuela - as três principais economias da América do Sul. Esta coordenação promoveu reuniões setoriais entre ministros do setor energético, do de políticas sociais e da área econômica. Diversos acordos form firmados, sobre temas de comécio, energia e defesa. Para ficar apenas num exemplo, Chávez anunciou, em 2004, que a Venezuela, que importa, para sua indústria petroleira, 5 bilhões de dólares de bens e serviços nos Estados Unidos, realizaria, a partir de então, 25% destas compras no Brasil e Argentina. Ao fazê-lo, conquistou aliados de circunstância nestes dois países, ainda que as opções destes difiram sensivelmente de sua perspectiva radical.

 

A ALBA baseia-se na montagem de mecanismos para criar vantagens cooperativas - ao invés das supostas "vantagens competitivas", paradigma das teorias neoliberais

Mercosul ampliado e Comunidade Sul-americana

Ao final de 2005, a Venezuela ingressou como membro pleno do Mercosul. Após a vitória eleitoral de Evo Morales em La Paz, o coordenador geral do bloco, o argentino Chacho Alvarez, anunciou que proporia o ingresso da Bolívia, na mesma condição. Começava assim a se dissipar a dualidade entre o Mercosul e a Comunidade Sul-americana de Nações. Nascida por iniciativa do Brasil, em 8 de dezembro de 2004, em Cuzco (Peru), esta era vista com reservas pelo governo de Kirchner, que se inclina pela expansão do Mercosul como prioridade. Foi em Cuzco, durante o encontro, que Chávez, em seu linguajar cheio de imagens, sugeriu uma consigna: "A política como locomotiva, o social como bandeira, o econômico como trilho e a cultura como combustível"

Ao mesmo tempo, o governo venezuelano multiplicou iniciativas setoriais - como a Petrosul, a TVSul, a PetroCaribe, entre outros - e desenvolveu uma iniciativa estratégica de alianças com Cuba - a chamada Aliança Bolivariana para as Américas. Em documento assinado em abril de 2005, em Havana, os governos de Cuba e da Venezuela lançam uma modalidade superior de integração, entre economias que podem partir de um nível superior de identificação, sobretudo a partir do momento - em janeiro de 2005, no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em que Hugo Chavez anunciou a adesão de seu governo ao que chama de "socialismo do século XXI".

A ALBA é uma proposta de integração que se fundamenta na montagem de mecanismos para criar vantagens cooperativas - no lugar das supostas "vantagens competitivas", paradigma das teorias neoliberais de comércio internacional. Já as vantagens cooperativas procuram reduzir as assimetrias existentes entre os países do continente. Elas apóiam-se em mecanismos de compensação, a fim de corrigir as disparidades de níveis de desenvolvimento entre os países da região. Têm na Venezuela e em Cuba seus grandes motores: a primeira com os recursos do petróleo, a segunda principalmente com os recursos de educação, saúde e esportes.

 

Cada país oferece o que pode produzir em boas condições, e recebe, em contrapartida, aquilo que precisa, independentemente dos preços no mercado mundial

ALBA, contraponto ao "livre" comércio

A ALBA pretende ser o contraponto da ALCA. Pretende integrar economias dissímiles desde baixo, envolvendo a todos os atores econômicos e sociais - como cooperativas, pequenas empresas, empresas públicas, empresas privadas grandes, médias e pequenas -, priorizando o atendimento de problemas essenciais para a massa da população, como alimentação, moradia, indústria e meio ambiente. Enquanto que a ALCA não diferencia entre países grandes e pequenos, entre países com grandes recursos naturais, financeiros, energéticos e os outros, acentuando mecanismos em que ganham os mais fortes - neste caso, os EUA. Além disso, a ALCA pretende impor aos paises critérios de segurança jurídica que favorecem as grandes corporações multinacionais, não se dispondo a atender aos paises mais fracos.

A ALBA não subsidia, mas fomenta créditos, máquinas e tecnologias para empresas recuperadas, fábricas abandonadas em mãos dos seus trabalhadores, cooperativas, comunidades de pequenos produtores - industriais, de comércio ou de servicios -, empresas públicas. A ALBA recebe o apoio dos Estados em créditos, assistência técnica e jurídica, marketing e comércio internacional, enquanto a ALCA deixa tudo entregue às forças que dominam o mercado e as possibilidades financeiras dos grandes agentes econômicos.

Em abril de 2005, dezenas de acordos foram firmados entre Caracas e Havana. Neste momento, decidiu-se criar, na Venezuela, 600 centros de diagnóstico integral de saúde, 600 creches e 35 centros de alta tecnologia, para assegurar ao conjunto da população o acesso gratuito à medicina e saúde. Também se decidiu a formação, por Cuba, de 40 mil médicos e 5 mil especialistas em tecnologias da saúde latino-americanos - além de 10 mil médicos e enfermeiros venezuelanos. Prosseguiu a operação "Milagre", que já permitiu a milhares de venezuelanos recuperar plenamente a visão, graças a uma intervenção cirúrgica (operação de catarata) realizada em Cuba. Ampliada para toda América latina, esta operação poderia ter até 100 mil beneficiários - 800 uruguaios foram os primeiros.

 

Pela primeira vez, um chefe de Estado chileno foi convidado à posse de um presidente boliviano - e aceitou comparecer

Uma seqüência de acordos latino-americanos

De sua parte, a Venezuela decidiu abrir em Havana uma agência da empresa petroleira nacional (PDVSA) e uma sucursal do Banco Industrial da Venezuela. Os dois governos concederam preferências aduaneiras recíprocas para suas trocas comerciais. Cuba decidiu adquirir 412 milhões de dólares em produtos venezuelanos, o que poderia suscitar a criação de dezenas de milhares de empregos no país parceiro.

Se o "eixo estratégico" Caracas-Havana é alvo de críticas entre setores conservadores, inconformados por ver Cuba sair de seu isolamento, o desenvolvimento destas políticas de saúde é acompanhado com grande interesse pelo conjunto dos movimentos sociais do continente. Estas trocas constituem bons exemplos de comércio "justo": cada país oferece o que está pode produzir em boas condições, e recebe, em contrapartida, aquilo que precisa, independentemente dos preços no mercado mundial.

Trata-se de uma visão radicalmente diferente da que prevalece nos acordos bilaterais firmados por Washington com os países do continente - América Central, Chile, Uruguai, Peru e, em breve, Colômbia -, cujo resultado é acentuar as desigualdades, e graças aos quais os EUA, por seu peso determinante, consolidam posições que já lhes são estruturalmente favoráveis.

Antes mesmo de sua posse em La Paz, no último 22 de janeiro, o novo presidente da Bolívia, Evo Morales, começou por Havana e Caracas uma viagem ao exterior que poderia abrir caminha a uma integração da Bolívia à ALBA. Algum tempo antes, havia sido criada a Petrocaribe, empresa destinada a oferecer a onze países da região petróleo a preços reduzidos e com facilidades de pagamento. Esta iniciativa do governo de Chávez procurava permitir aos países da região precaver-se contra a volatilidade e a escalada de preços do petróleo no mercado internacional, livrando-os parcialmente da pressão exercida por Washington para impor acordos bilaterais.

Ainda em estado embrionário, e sem prejulgar seu sucesso, a ALBA é uma tentativa ambiciosa de integração regional que escapa às lógicas de mercado. Não faltarão dificuldades, porque o objetivo é envolver países como Argentina, Brasil e Uruguai; provavelmente o México e talvez o Peru. As economias destes países são dominadas por empresas multinacionais, muito mais interessadas em manter sua fatia no mercado norte-americano e europeu que em um tipo de integração que pode privá-las deste privilégio.

Os presidentes destas nações já enfrentam grandes dificuldades para avançar nos marcos bem menos ambiciosos do Mercosul. São prova os conflitos entre setores patronais do Brasil e Argentina, que sabotam o processo de integração. Na verdade, a ALBA só pode se realizar entre governos decididos a desenvolver um projeto estratégico de grandes transformações estruturais internas, de maneira que as decisões que tomam envolvam efetivamente a economia de seus países.

 

Reconciliar "irmãos inimigos"?

Pela primeira vez, um chefe de Estado chileno foi convidado à posse de um presidente boliviano - e aceitou comparecer

Ainda assim, algumas iniciativas emergem, preliminares de uma aliança entre países do continente. Como exemplos (não exaustivos), Chávez confirmou o investimento de 600 milhões de dólares da PDVSA no Uruguai, onde a empresa petroleira venezuelana trabalhará com sua homóloga, ANCAP, especializada em refino de óleo. Um acordo entre Caracas e Brasília permitirá a construção de uma importante refinaria no Nordeste brasileiro. Reunidos em 18 de janeiro, os presidentes Kirchner e Lula examinaram o projeto de construção de um oleoduto que, partindo da Venezuela, chegaria até a Argentina, passando pelo território brasileiro. A criação de uma grande companhia petroleira sul-americana, Petrosul, talvez não seja apenas um sonho.

A Telesur já funciona. Tendo como acionistas Argentina, Cuba, Uruguai e Venezuela, esta cadeia de televisão procura fornecer informação lationo-americana fora dos padrões das TVs privadas e da influência midiática vinda do Norte.

Quem sabe se esta esquerda, em sua multiplicidade e diferenças, não é capaz de conciliar "irmãos inimigos"? Brasília tem excelentes relações com Santiago, mas também com Caracas - cujo presidente, Chávez, mantém laços estreitos com Evo Morales. Nos últimos dias de seu mandato, o presidente do Chile, Ricardo Lagos, aceitou participar da posse de Morales, em 22 de janeiro. Os dois países são protagonistas de uma das mais antigas disputas territoriais da América do Sul. Foi a primeira vez em que um chefe de Estado chileno foi convidado à posse de um presidente boliviano.

 


* Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro

Publié dans THÉORIE - PRAXIS

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