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Le Monde Diplomatique
Edição brasileira
ano 7 número 75



PETRÓLEO
Arábia Saudita, frágil solução

As reservas sauditas, grande esperança dos Estados Unidos para atender à crescente demanda por petróleo, estão mais perto do esgotamento do que se imagina

Michael T. Klare*


Enquanto nos Estados Unidos e em outros países a apreensão sobre a disponibilidade futura do petróleo aumenta, na comunidade global de peritos de energia houve um racha, formando dois campos: o dos otimistas, que acreditam que a abundância será a regra por muitos anos ainda, e o dos pessimistas, que consideram que as fontes de petróleo tornar-se-ão cada vez mais escassas. Ambos concordam, contudo, que a Arábia Saudita - primeiro produtor mundial - desempenhará um papel essencial. Para os otimistas, o reino saudita continuará a aumentar sua produção no ritmo da demanda; para os pessimistas, esse país logo verá suas reservas petroleiras declinar, eliminando conseqüentemente qualquer esperança de aumentar o abastecimento de petróleo no planeta. Antes de especular sobre o futuro do abastecimento mundial, é necessário examinar com cuidado o caso da Arábia Saudita.

Nem é preciso demonstrar a importância desse país para a economia petroleira. Não é apenas o primeiro produtor e exportador de óleo bruto, mas é o único fornecedor que dispõe de uma importante capacidade em reserva que lhe permite aumentar rapidamente a produção em caso de crise. Essa particularidade teve importância decisiva em 1990, quando o Iraque invadiu o Kuwait e a produção dos dois países desapareceu do mercado. Com o rápido aumento da produção, a Arábia Saudita preveniu um novo "choque do petróleo" como o que se seguiu ao embargo árabe de 1973-74 e à revolução iraniana de 1979-1980.


A Arábia Saudita - primeiro produtor mundial - desempenhará um papel essencial no futuro do petróleo no mundo

País-chaves

Dada a capacidade única de poder aumentar a produção em caso de crise, a Arábia Saudita há muito tempo é vista em Washington como um elemento-chave da segurança energética dos Estados Unidos. Assim, quando o preço do produto bruto começou sua ascensão meteórica na primavera de 2005, o primeiro gesto do presidente Bush foi receber o príncipe herdeiro Abdallah (tornado rei depois) no seu rancho do Texas para suplicar-lhe aumentar a produção do seu país. "O príncipe herdeiro compreende a importância de manter um preço razoável", declarou George Bush à imprensa antes do encontro com Abdalhah1. À saída da reunião, o príncipe prometeu aumentar a produção saudita, informou seu porta-voz, que acrescentou: "Eis algo que certamente ajudará a queda" do preço do petróleo2. Embora as promessas de Abdallah não tenham até agora provocado nenhuma baixa sensível, Washington continua a fazer pressão sobre Riyad para que os sauditas aumentem a produção.

Tão importante quanto esse papel de produtor auxiliar (swing producer) no caso de crise, a questão do futuro do petróleo saudita é mais decisiva ainda. "Com um quarto das reservas mundiais provadas" - afirmou em 2004 o ministério americano da Energia -, "a Arábia Saudita provavelmente será o principal exportador do mundo num futuro previsível"3. Todas as estimativas publicadas por esse ministério prevêem que a produção saudita aumentará constantemente durante os próximos anos e que o reino terá papel essencial na satisfação do desejo planetário de ouro negro. O reino saudita deverá contribuir sozinho com mais de um quarto do crescimento do abastecimento mundial entre 2001 e 2025.

Para estimar um valor exato do papel atribuído ao reino saudita, podem-se citar as projeções anuais publicadas pelo ministério americano da energia sobre o futuro da oferta e da procura. Em 2004, o ministério previu que a demanda mundial aumentaria em 57%, entre 2001 e 2025, passando de 77 milhões para 121 milhões de barris por dia (bpd). Para responder a esse aumento da demanda, a produção saudita deveria crescer 120% durante o período, passando de 10,2 milhões para 22,5 milhões bpd. Trata-se de uma taxa de crescimento incomum, considerando-se aquela que se espera dos outros países ou grupos de países produtores. A Rússia e as antigas repúblicas soviéticas do mar Cáspio se aproximariam mais, com aumento esperado de 8,5 milhões bpd entre 2001 e 2025. Para o Irã, o Iraque e o Kuwait, o aumento esperado seria de 7,6 milhões bpd, enquanto no principal produtor africano, a Nigéria, supõe-se ganhar apenas 1,6 milhão. Na maior parte das outras regiões do mundo, o ministério americano previu estagnação ou declínio da produção, de modo que a contribuição saudita prevista, de 12,3 milhões bpd, é absolutamente essencial para satisfazer a demanda mundial4.

Dada a capacidade de aumentar a produção em caso de crise, a Arábia Saudita é vista nos EUA como chave para a segurança energética do país

Polêmica explosiva

Mas a Arábia Saudita está realmente em condições de aumentar sua produção para 12,3 milhões de bpd em 25 anos, ou qualquer quantia que seja? Aí está a pergunta que incomoda os analistas mundiais. A polêmica explodiu em fevereiro de 2004, quando o New York Times assinalou que numerosos analistas chegaram à conclusão que os principais campos petrolíferos sauditas estão mais perto do esgotamento do que geralmente se supõe. Coloca-se em dúvida a capacidade do reino de aumentar sua produção para além do nível atual de 9 a 10 milhões bpd. Se a produção saudita seguisse a demanda internacional, afirma o jornal nova-iorquino, "os campos petrolíferos do país hoje estariam em declínio, de modo que os responsáveis da indústria e do governo se perguntam: o reino estará em condições de satisfazer o desejo mundial de petróleo nos próximos anos?"5.

Inútil dizer que o artigo suscitou cólera e apreensão em Riyad. Nos dias seguintes, Mahmoud Abdoul-Baqi, vice-presidente da Aramco e responsável pela prospecção da Saudi Aramco, assegurou: "Temos capacidade de pôr no mercado mais petróleo que qualquer outro(...) Continuaremos a fornecer petróleo durante pelo menos 70 anos"6. O ministro do petróleo, Ali Al-Naimi, mostrou-se ainda mais afirmativo7: se a demanda internacional continuar a aumentar, "estaremos em condições de satisfazê-la".

Essas promessas foram retomadas pelos responsáveis americanos. Assim, no Internacional Energy Outlook de 2004, o ministério americano da energia afirmou que os responsáveis sauditas "têm confiança na sua capacidade de manter níveis de produção sensivelmente mais elevados até a metade do século ou além8".

A maior parte dos principais campos petrolíferos sauditas já entrou em declínio e será impossível aumentar a produção nos próximos anos

Crepúsculo no deserto

Mas isso não pôs um fim à controvérsia. Em maio de 2005, um banqueiro de Houston, Matthew R.Simmons, publicou um livro que teve o efeito de uma bomba, Twilight in the Desert: The Coming Saudi Oleo Shock and the World Economy (Crepúsculo no deserto: a futura crise petrolífera saudita e a economia mundial). Simmons afirma categórico que a maior parte dos principais campos petrolíferos sauditas já entrou em declínio e que, portanto, será impossível aumentar a produção nos próximos anos. "É pouco provável que a Arábia Saudita esteja em condições de entregar as quantidades de petróleo que se espera dela", afirma. "A produção saudita aproxima-se do pico de produção durável... e está suscetível de entrar em declínio num futuro próximo"9.

Matthew ("Matt") Simmons não é, no entanto, nem um ecologista militante nem um adversário das companhias petroleiras. Presidente e diretor geral de um dos bancos de investimento petroleiro mais importantes do mundo, o Simmons & Company Internacional, investe, há décadas, bilhões no setor energético e financia a prospecção e o desenvolvimento de novas reservas de petróleo no mundo inteiro. Assim, ficou amigo de numerosas personalidades de primeiro plano nos meios petroleiros, incluindo George W. Bush e seu vice-presidente, Richard Cheney. Acumulou igualmente uma vasta quantidade de dados relativos aos principais campos petrolíferos do planeta e é, certamente, uma das pessoas melhor informadas sobre esse assunto no mundo. É por isso que a sua avaliação pessimista deve ser considerada seriamente.

Essencialmente, os argumentos de Simmons abrangem quatro pontos:

1) a maior parte do petróleo saudita é extraída de um pequeno número de campos gigantescos;
2) esses campos iniciaram a exploração há 40 ou 50 anos e para a maior parte deles não há mais petróleo fácil de extrair;
3) para manter níveis de produção elevados nesses quatro ou cinco jazigos, os sauditas recorrem cada vez mais à injeção hidráulica e de outros métodos de recuperação secundária a fim de compensar a queda de pressão nos poços;
4) com o tempo, a proporção água/petróleo nos jazigos subterrâneos tornará a exploração difícil, senão impossível.

Apesar de os sauditas insistirem na capacidade de aumento da produção, cada vez menos os especialistas acreditam nela

Promessa sem futuro

Twilight in the Desert não é um livro fácil de ler. Trata-se de uma descrição detalhada da imensa infra-estrutura petrolífera do reino saudita, a partir de documentos de serviço, essencialmente redigidos por técnicos sauditas, e trata dos diversos aspectos da produção em cada campo. Há muito da questão do envelhecimento dos jazigos e o emprego cada vez mais freqüente da injeção de água para manter a pressão subterrânea - técnica que pode conduzir à deterioração das reservas cuja exploração não foi iniciada. Baseando-se nesses estudos técnicos, Simmons está em condições de mostrar que os campos sauditas mais importantes estão rapidamente se aproximando do fim da vida produtiva.

Eis porque aborreceu e preocupou ao mesmo tempo os responsáveis sauditas. Em um colóquio em Washington, o ministro do petróleo Al-Naimi contestou as alegações de Simmons e continuou a afirmar que o seu país é completamente capaz de aumentar a produção em resposta à demanda mundial. "Venho tranqüilizá-los solenemente: as reservas sauditas são ricas e estamos prontos para aumentar a nossa produção de acordo com as exigências do mercado", declarou em 17 de maio de 2005. Em uma reunião em Paris, Al-Naimi comunicou o projeto de aumentar o nível de produção de 10 para 12 milhões bpd e ainda mais - até 15 milhões se necessário - se a demanda mundial continuar a aumentar10.

Dessa vez, no entanto, constatou-se maior ceticismo dos peritos. Muitos analistas notaram que o petróleo suplementar atualmente extraído na Arábia Saudita tem elevado teor de enxofre. Tomando a palavra durante um encontro Bush-Abdalhah no Texas, Jason Schenker, da Wachovia Corporation, observou: "Nenhuma mudança substancial sairá desta reunião"11.

Em nenhum momento a discussão atingiu outro fator importante, o impacto eventual do contexto político na produção saudita

Política interna

O indicativo mais significativo dessa evolução das percepções apareceu no Internacional Energy Outlook de julho de 2005. É necessário lembrar que, no ano anterior, essa publicação havia previsto aumento da produção saudita de 12,3 milhões bpd durante o primeiro quarto deste século, para um total de 22,5 milhões bpd em 202512. Em 2005, ao contrário, viu-se apenas um aumento de 6,1 milhões bpd para uma produção total que atingirá apenas 16,3 milhões bpd em 2025 - uma queda considerável em relação aos números de um ano atrás. Nenhuma explicação a essa reversão foi fornecida, mas supõe-se que as análises de Simmons e de outros céticos começaram a alterar o pensamento oficial em Washington.

É provável que as previsões do ministério para 2025 vão se revelar ridiculamente otimistas. O mesmo Al-Naimi, em seus desabafos volúveis, nunca se comprometeu explicitamente em exceder os 12 milhões bpd. E se Simmons tem razão, mesmo este nível poderia revelar-se fora de alcance.

Em nenhum momento essa discussão atingiu outro fator importante, o impacto eventual do contexto político na produção saudita. Uma perturbação como a que se produziu quando da queda do xá do Irã em 1978-1979 provocaria certamente uma queda da produção, podendo durar vários anos. Um ataque terrorista de grande envergadura contra as instalações petroleiras teria, sem dúvida, um efeito semelhante. Ainda que as condições internas estejam relativamente estáveis, devemos nos preparar para a iminência de um futuro em que as reservas mundiais de petróleo não chegarão mais a satisfazer insaciáveis demandas energéticas do planeta.

(Trad.: Marcelo de Valécio)


* Professor de Estudos sobre a Paz e a Segurança Mundial no Hampshire
College, em Amherst, Massachusetts (EUA), e autor de Blood and Oil: The Dangers and Consequences of America's Growing Dependency on Imported Petroleum, Henry Holt, 2004

1 - Citado em "Bush-Saudi Talks Focus on Long-Range Oil Plan", Reuters, 25 de abril de 2005, www.reuters.com.
2 - Citado em "Bush Urges Saudis to Boost Oil Production", Los Angeles Times, edição de 25 de abril de 2005, www.latimes.com/news.
3 - US Department of Energy, Energy Information Administration (DoE/EIA), Saudi Arabia, Country Analysis Brief, junho de 2004, www.eia.doe.gov/emeu/cabs/saudi.html.
4 - DoE/EIA, International Energy Outlook 2004 (Washington, D.C., 2004), Mesas A4 e D1.
5 - Jeff Gerth, "Forecast of Rising Oil Demand Challenges Tired Saudi Fields", New York Times, 24 de fevereiro de 2004.
6 - Citado em "Saudis Refute Claims of Oil Field Production Declines" Oil and Gas Journal, 8 de março de 2004.
7 - Citado em "Saudi Oil Minister Al-Naimi Sees Kingdom Sustaining Oil Supply Linchpin Role for Decades", Oil and Gas Journal, 5 de abril de 2004.
8 - DoE/EIA, International Energy Outlook 2004, op. cit., p.37.
9 - Matthew R. Simmons, Twilight in the Desert, John Wiley, Hoboken, (New Jersey), 2005.
10 - Doris Leblond, "Saudi Production Growth Detailed in Paris Oil Summit", Oil and Gas Journal, 2 de maio de 2005.
11 - "Saudis offer oil capacity plan, no immediate relief", Bloomberg News, 25 de abril de 2005, www.bloomberg.com.
12 - DoE/EIA, International Energy Outlook 2005 (Washington, D.C., 2005), mesa E1.

Publié dans THÉORIE - PRAXIS

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